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Posicionados como atiradores-furtivos no início do cerco ao Quartel do Carmo, um soldado branco e outro negro são surpreendidos por uma velhota que, desde a varanda do segundo andar, convida "o menino" a vir cá acima, "que tenho chá e bolinhos". Francisco percebe de imediato que o convite é para João, um rapaz de Braga pouco dado a reflexões profundas. Enquanto, dois andares acima, Eulália vai suave mas persistentemente fazendo a cabeça de João contra os devaneios revolucionários, louvando as conquistas de Salazar e temendo o que será deste "grande país" nas mãos "deles" (apontando para Francisco, lá em baixo), a sua neta hippie (Teresa), vai interessar-se progressivamente pelo corajoso soldado negro, que tem a arma carregada... e a alma também.
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Manuel, 19 anos, estagiário do Rádio Clube Português, está a levar um sermão moralista de um velho editor claramente afeto ao regime. Nessa noite, desmoralizado, assiste a um telefonema da sua mãe com o seu pai, militar colocado em Santarém: "Vai acontecer algo. Não saiam de casa amanhã. Diz aos miúdos que os amo". Manuel espera que a mãe e o irmão de oito anos adormeçam e começa a treinar o take de reportagem perfeito. Ele sabe que o sonho está à mão de semear. Precisa de ir para a rádio buscar os apetrechos que o seu estatuto ainda não lhe permite obter: um gravador, bobine e um microfone. Quando está finalmente pronto para partir em busca de histórias, pelas três e pouco da manhã, um grupo de oficiais toma controlo do RCP. Manuel está agora momentaneamente sequestrado pelos homens que vêm trazer a liberdade. Utilizará uma manobra de diversão e o comunicado lido por Joaquim Furtado perto das sete da manhã para finalmente se escapulir, ao encontro da História e do take perfeito. Que na verdade só conseguirá fazer no dia seguinte, ao regressar a casa para uma mãe arreliada e um irmão curioso. O único público da sua reportagem sobre o dia 25 de Abril.
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